terça-feira, 13 de novembro de 2012

Gustav Mahler (1860-1911) Parte IX

Já mencionamos a estreia da Oitava Sinfonia, apelidada contra a vontade do compositor de "Sinfonia dos Mil", como o maior sucesso da vida de Mahler, que então recebia o merecido reconhecimento por sua obra, tanto pelo público como pela crítica.

Para o projeto sinfônico seguinte, Mahler tentou "ludibriar o destino", o qual, segundo a superstição romântica, impusera o número 9 como limite na vida de um compositor, visto que mestres tais como Beethoven, Schubert e Bruckner terminaram suas obras sinfônicas após as respectivas Nonas Sinfonias (no caso de Bruckner, deixada incompleta).

Em vez de uma sinfonia numerada, foi composta uma sinfonia com canto, em seis movimentos, com letras adaptadas da tradução em alemão da coletânea de poesia chinesa "A Flauta Chinesa" por Hans Bethge. O título dado foi "A Canção da Terra" (Das Lied von der Erde), para mezzo-soprano (ou baixo) e tenor. Nunca Mahler foi tão sutil ao instrumentar uma composição e tão imaginativo na elaboração dos temas. O tom geral é pessimista, algo resignado, e trata da juventude, da tristeza, da embriaguez e despedida da vida.

Segundo consenso geral, é a maior de todas as obras-primas mahlerianas, extraordinariamente bela e emocionalmente profunda, com a última parte, "A Despedida", ocupando praticamente metade da duração da obra. É uma verdadeira sinfonia, com seus temas soberanamente desenvolvidos e inter-relacionados  com as vozes soberbamente integradas ao tecido instrumental. Poderíamos discorrer fartamente sobre as inúmeras virtudes aqui presentes, mas, ainda assim, não faria justiça ao conteúdo que se tenta descrever.

Foi concluída no início de 1911, pouco antes da morte do compositor. Bruno Walter regeu a primeira apresentação, ocorrida em Munique, Alemanha, em novembro de 1912.

Das numerosas gravações disponíveis citaremos algumas, que apreciamos muito. Primeiramente, e, segundo os críticos, acima das demais, a de Otto Klemperer (EMI), com Christa Ludwig e Fritz Wunderlich e a Philharmonia Orchestra, de Londres. O canto é insuperável e o regente atento às nuanças do idioma mahleriano.

Bernard Haitink (Philips/Universal) tem como solistas Janet Baker e James King, com a Concertgebouw Orchestra em seu habitual virtuosismo a serviço da concepção equilibrada do regente.

Karajan, Bernstein e Walter têm abundantes virtudes e valem a pena.

Com esta obra, Mahler apresenta uma das primeiras obras-primas da música moderna, ultrapassando as fronteiras do romantismo e vislumbra o século XX. Suas técnicas e ideais formais influenciarão toda uma geração de compositores, como Schoenberg, Webern e Berg.

continua...

JHC


terça-feira, 12 de junho de 2012

Gustav Mahler (1860-1911) Parte VIII


Ao longo do ano de 1906, Mahler sentiu-se cada vez mais exausto devido a seu trabalho na Ópera Imperial e outros compromissos como diretor de orquestra. Decidiu que, durante as férias de verão, não trabalharia em nenhum projeto. Apenas descansaria. No entanto, no primeiro dia de folga, ao longo de uma caminhada pelas colinas, teve uma inspiração irresistível, que logo se tornaria a base para o Veni, Creator Spiritus, primeiro movimento de sua Oitava Sinfonia, apelidada já na estréia de "Sinfonia dos Mil", dado o elevado número de executantes, tanto orquestrais como nos vários coros utilizados.

Estas palavras fazem parte de um antigo hino latino, que descreve o "Paráclito",  ou seja, o Consolador mencionado por Jesus conforme registrado no Evangelho de João, capítulo 14. Em outras palavras, o Espírito Santo.

Como não sabia de memória a totalidade do texto, telegrafou a Viena para que lhe remetessem o texto completo. O compositor então estruturou o primeiro movimento adaptando a letra aos temas que havia desenvolvido. Abrindo mão de técnicas contrapontísticas consagradas e concluindo esta primeira parte com uma fuga extraordinária, que exige tudo o que a voz humana pode dar, Mahler teve diante de si um material ao qual qualificou como sua "missa".

Alguns estudiosos encontram um certo exagero na forma como esta sinfonia se apresenta, principalmente com um tema tão poderoso como o Veni da abertura, onde se tem a impressão de que aquele que está sendo invocado, já estava presente antes da música soar. Isso nos remete à Segunda Sinfonia, onde Mahler teve o cuidado de não ser apoteótico no primeiro movimento, deixando o clímax para os últimos compassos do finale.

Na segunda parte, Mahler utiliza textos extraídos de Fausto, Parte II, de Goethe, onde há uma alegoria do paraíso, segundo a crença popular católico-romana.

A première, em 1910, na cidade de Munique, Alemanha,  foi o maior êxito da vida de Mahler, que enfim recebeu o reconhecimento que lhe era devido.

Sua vida pessoal, em contraste, estava no fundo do abismo. Perdera sua filha mais velha, vítima de febre escarlate; teve um diagnóstico de infecção cardíaca por estreptococos, que lhe traria, enfim, a morte em 1911; já não era mais o poderoso diretor da Ópera de Viena; e, por causa de sua debilidade física provocada pela mencionada infecção, viu seu casamento, que nunca tinha sido um exemplo de estabilidade, ruir, com o relacionamento de Alma com o arquiteto Walter Gropius.

Todos estes episódios serão refletidos na Nona Sinfonia, que será tratada oportunamente.

Voltando à Oitava. Devido aos grandes desafios logísticos e, também, à relativa falta de profundidade musical da obra, durante muito tempo só foi executada em ocasiões especiais e gravações fonográficas eram forçosamente raras, situação que está em franca inversão.

Como é um híbrido de cantata sacra com ópera, bons regentes operísticos obtêm resultados positivos nesta sinfonia, como é o caso de Rafael Kubelik, Leonard Bernstein e Georg Solti. Destes, Solti (Decca) se destaca por sua eletrizante gravação com a Sinfônica de Chicago, realizada em Viena, no ano de 1971. Até hoje é a gravação de referência, a que podemos acrescentar a formidável performance dos solistas, todos de primeiríssimo time, incluindo Yvonne Minton, Arleen Auger e René Kollo, e dos coros da Ópera de Viena, dos Meninos Cantores de Viena e da Associação Coral de Viena (Wiener Singverein). Tem uma primeira parte eletrizante, culminando numa impossível fuga coral extasiante. A segunda parte tem ainda mais virtudes, onde a soberana regência de Solti cria uma formidável,  cena operística, com os solistas a plenos pulmões.

Bernstein (Sony, DG) tem dois registros disponíveis, ambos da mais alta competência, assim como Rafael Kubelik, à frente da Orquestra Sinfônica da Radiodifusão Bávara (DG).

Destacamos também a realização de Klaus Tennstedt com a Filarmônica de Londres (EMI), venerada pela crítica, não sem razão.

Outras gravações importantes são as de Claudio Abbado, Pierre Boulez, Giuseppe Sinopoli (todos editados pela Deutsche Grammophon) e Simon Rattle (EMI). Qualquer uma das versões aqui citadas oferece um belo espetáculo artístico que honra as intenções do compositor.

Lembramos, apenas, que esta não é uma obra musical para se ouvir rotineiramente, como as sinfonias precedentes e a seguinte, a Nona, que, à medida que ouvimos mais, têm suas belezas desvendadas. A Oitava, com a repetição exagerada, tende a se tornar cansativa e barulhenta.

Michael Kennedy, em sua biografia de Gustav Mahler (Oxford Press, 1973,1989,2000), destaca a superficialidade do argumento musical e sua personalidade de religiosidade manufaturada, em contraste com a sinceridade do finale da Segunda Sinfonia.

Contudo, isso não a desmerece como obra-prima, bem estabelecida como uma  das maiores obras sinfônico-corais de todos os tempos, ao lado da Missa Solemnis, de Beethoven, da Missa em Si menor, de Johann Sebastian Bach e da  Missa Nº 3, de Anton Bruckner.

continua...

JHC


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

E o Oscar vai para...

A mais festejada premiação do cinema mundial aconteceu ontem, 26/02/2012, e não teve muitas surpresas.
O Artista foi laureado em 5 categorias: melhor filme, direção, ator, trilha sonora original e desenho de vestuário. Fecha com chave de ouro uma temporada gloriosa e, para muitos, merecidíssima. Aliás, não me lembro de um filme não-americano ou não-britânico ganhar as estatuetas principais anteriormente, o que mostra uma certa abertura por parte dos membros da Academia, ainda que O Artista trate de um saudoso período da história do cinema, a transição do cinema mudo para o falado.

A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorcese, também foi agraciado com 5 estatuetas, todas técnicas: fotografia, direção de arte, efeitos visuais, mixagem de som e edição de som.

Entre estes prêmios a maior surpresa, para mim, foi a de efeitos visuais, dominados em outras premiações por Planeta dos Macacos-A Origem (ganhador do prêmio principal da Visual Effects Society, espécie de sindicato da categoria) e último filme da série Harry Potter (vencedor do BAFTA, prêmio da Academia Britânica). Mas como o nível dos indicados foi realmente alto, não se pode falar em injustiça.

A equipe de efeitos visuais de Hugo Cabret foi chefiada por Robert Legato, cujo currículo inclui os efeitos produzidos em vídeo pela Industrial Light and Magic, de George Lucas,  para a série de TV Jornada nas Estrelas - A Nova Geração (1987 a 1994), inovadores e relativamente baratos para os anos 80, Apollo 13 (1995), sobre a acidentada missão à Lua, e Titanic (1997), pelo qual recebeu o prêmio de efeitos visuais. Estes dois últimos títulos tiveram efeitos visuais produzidos na Digital Domain, então a principal concorrente da ILM.

Legato é o inventor da chamada cinematografia virtual, que permite ao diretor do filme e demais envolvidos visualizarem uma seqüencia já pré-programada com todos os elementos, como cenários, iluminação, ângulos, inseridos digitalmente, facilitando o trabalho do diretor e dos outros. Esse processo foi usado primeiramente em Avatar(2009), de James Cameron, e de certa forma, foi uma injustiça Legato não estar incluído entre aqueles que receberam o Oscar daquele ano.

A série Harry Potter encerra-se passando em branco pelos prêmios da Academia, apesar do sucesso multibilionário nas bilheterias mundiais.

As demais premiações confirmaram muitas das expectativas, inclusive mais um Oscar para Meryl Streep, por sua interpretação da ex-primeira-ministra britânica Margareth Tatcher e o já idoso Christopher Plummer enfim é reconhecido.

Dentro de poucos dias a maioria destas premiações estará esquecida e estaremos olhando para a futura temporada de prêmios.

A lista com todos os indicados e respectivos ganhadores pode ser acessada em inglês na seguinte URL:
http://www.imdb.com/oscars/nominations/.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Os indicados para os prêmios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood

Gosto muito de cinema. É uma das artes que desempenharam papel fundamental para a formação de minha personalidade, junto com a música erudita. Que ninguém se escandalize com isso. Não assisto nem gosto de qualquer tipo de filme. Na verdade, tenho a sensação que os grandes filmes já foram feitos: A Felicidade Não Se Compra, ...E O Vento Levou, Casablanca, Quo Vadis, Cantando na Chuva, Sindicato de Ladrões, Um Bonde Chamado Desejo, Um Lugar ao Sol, Crepúsculo dos Deuses, Os Dez Mandamentos, Ben-Hur, El Cid, Lawrence da Arábia, O Mais Longo dos Dias, Mary Poppins, Doutor Jivago, A Noviça Rebelde, 2001-Uma Odisséia no Espaço, O Poderoso Chefão I e II, Tubarão, Guerra nas Estrelas, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Superman, Alien, Fama, O Império Contra-Ataca, Reds, Carruagens de Fogo, Caçadores da Arca Perdida, E.T., Amadeus, O Último Imperador, A Lista de Schindler, Titanic, O Senhor dos Anéis... ufa!

Pelo andar da carruagem atual, carregada de continuações e adaptações infantilizantes, é improvávelo cinema produzirá algum clássico que cause o impacto que os acima citados provocaram no público e na história do cinema. Alguém consegue citar uma obra-prima surgida nos últimos 20 anos, com as possíveis exceções de Titanic, Senhor dos Anéis e muitas das animações da Pixar?

É certo que não.

Mas o cinema não pára e o mês de janeiro é repleto de celebrações voltadas à assim chamada Sétima Arte: as premiações do Globo de Ouro, dos sindicatos dos artistas e técnicos envolvidos, e nas indicações aos prêmios das Academia Britânica, BAFTA, e de Hollywood, o Oscar, cujos ganhadores conheceremos em fevereiro.

Dificilmente algum evento ultrapassará a festa do Oscar em glamour e grandeza, com toda a pompa e circunstância que transbordam nestas ocasiões. É onde o cinema estadunidense celebra o cinema estadunidense e, no embalo, inclui algumas produções de outros países, na categoria de melhor produção em língua não inglesa.

E, como sempre, algumas premiações serão bastante questionáveis e questionadas. Mas, como expressou a jornalista Ana Maria Bahiana, em seu blog no UOL, a Academia premia quem deve ganhar, não necessariamente quem merece ganhar. Ou seja, tem mais política do que crítica.

Hoje saiu a lista de indicados para o prêmio em 2012. São os seguintes:

Melhor Produção do Ano:

A Árvore da Vida (2011): Nominees to be determined
Cavalo de Guerra (2011): Steven Spielberg, Kathleen Kennedy


A safra de 2011 realmente foi fraca. A Academia pode indicar até dez filmes para o prêmio máximo e só nove foram nomeados, nenhum dos quais candidatos a clássico do cinema, embora as produções de Martin Scorcese, Woody Allen, Steven Spielberg e Thomas Langmann apresentem elevados padrões artísticos e técnicos.


Provavelmente a escolha ficará entre os ganhadores do Globo de Ouro, O Artista e Os Descendentes, ganhadores nas categorias Comédia ou Musical e Drama, respectivamente. Coloco isso mesmo lembrando que já há algum tempo o Globo de Ouro não pesa tanto assim na decisão da Academia, embora tenha mais respeito crítico por ser um prêmio dado pelos críticos de cinema estrangeiros residentes em Los Angeles. Neste caso O Artista vem como favorito, o que é confirmado pelo número de indicações, 11, e pela presença deste título em praticamente todas as premiações importantes.


Cavalo de Guerra, de Spielberg, foi indicado em seis categorias (melhor produção, trilha sonora original, cinematografia, direção de arte, mixagem de som e edição de efeitos sonoros), mas a ausência de indicação ao prêmio de melhor diretor enfraquece bastante as chances de levar a estatueta.


Melhor ator em papel principal:

Brad Pitt for O Homem Que Mudou o Jogo (2011)


Jean Dujardin e George Clooney são os candidatos mais fortes, tendo sido agraciados com o Globo de Ouro. Gary Oldman, veterano e competente ator inglês, mais conhecido hoje como o Comissário Gordon dos filmes de Batman dirigidos por Christopher Nolan, corre por fora.

Melhor atriz em papel principal:

Michelle Williams for Sete Dias com Marilyn (2011)


Em termos de repercussão, Michelle Williams e Meryl Streep são as favoritas, também premiadas no Globo de Ouro. Glenn Close conseguiu sua desejada indicação, já que não era lembrada no Oscar desde que concorreu por Ligações Perigosas, de 1988.

Melhor direção:

Martin Scorsese for A Invenção de Hugo Cabret (2011/II)

Todos os indicados aqui têm peso e seus respectivos filmes também estão na lista dos candidatos a melhor filme. Martin Scorcese já vem com o Globo de Ouro e é, talvez, o maior cineasta dos Estados Unidos nas três últimas décadas. Woody Allen também impõe respeito, mas esnobou as láureas da Academia em anos anteriores e pode ser boicotado por isso. A surpresa talvez seja a ausência de Spielberg. A indicação de Terrence Malick soa como capricho acadêmico. Hazanavicius tem a seu favor a repercussão de O Artista, que acumula o maior número de indicações este ano. Alexander Payne tem bastante prestígio e não pode ser descartado.

Melhor roteiro original (escrito diretamente para o cinema)

Melhor longa-metragem de animação do ano:

Rango (2011): Gore Verbinski


Aqui temos duas surpresas negativas. Pela primeira vez, desde que esta categoria foi criada,  a Pixar Animation Studios não emplacou uma produção sua. Carros 2, que recebeu muitas críticas negativas e não entusiasmou o público, foi ignorado, assim como As Aventuras de Tintin, de Steven Spielberg, ganhador do Globo de Ouro, e cuja indicação era dada como certa, bem como a premiação. Talvez uma grande injustiça.


Para nós, brasileiros, fica a tristeza de não ver o trabalho de Carlos Saldanha pela Bluesky Studios, a animação Rio, lembrado. Kung Fu Panda 2 é divertido, mas não se compara ao charme do filme original. Gato de Botas, que vem obtendo um sucesso surpreendente mesmo para as expectavivas da Dreamworks, deve duelar com Rango, trabalho bastante prestigiado pela crítica.

Melhor filme do ano em língua estrangeira:

Melhor Cinematografia (ou direção de fotografia):

Cavalo de Guerra (2011): Janusz Kaminski


O polonês Janusz Kaminski, habitual colaborador de Steven Spielberg, vem recebendo diversas láureas nesta temporada de prêmios e não será surpresa se receber seu terceiro Oscar (já foi premiado por A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan).

Melhor direção de arte (cenografia):

Cavalo de Guerra (2011): Rick Carter, Lee Sandales


Todos os indicados têm fortes pré-requisitos. Talvez a Academia queira dar uma estatueta para o capítulo final da série Harry Potter e, nesta categoria, Stuart Craig é um mestre.

Melhor maquiagem:

A Dama de Ferro (2011): Mark Coulier, J. Roy Helland


Outra categoria em que Harry Potter merece ganhar, pela engenhosa caracterização de vários personagens. Mas a Academia surpreende, de vez em quando, e pode favorecer um efeito a serviço de uma narrativa mais dramática.

Melhor música composta para um filme, trilha sonora original:

Cavalo de Guerra (2011): John Williams


Ludovic Bource é o grande favorito, ao musicar um filme mudo, que depende grandemente da música incidental para se sustentar. Já recebeu vários prêmios, inclusive o Globo de Ouro. Aqui, a Academia também se mostra bem independente de outras listas de premiações, para o bem e para o mal. Nesta última década premiou barbaridades como Brokeback Mountain, Babel e A Rede Social. Também pesa desfavoravelmente o uso de temas que Bernard Herrmann compôs para Um Corpo Que Cai, de Alfred Hitchcock, o que tem sido bastante criticado por alguns.


John Williams, considerado por mim e por muitos como o maior compositor de música de cinema vivo, é sempre um forte concorrente, e, neste ano, torna-se o compositor que mais indicações recebeu da Academia, acumulando 47 indicações e 5 prêmios, os clássicos Tubarão, Guerra nas Estrelas, E.T. O extraterrestre e A Lista de Schindler, além da adaptação para Um Violinista no Telhado. Eu daria o prêmio para As Aventuras de Tintin, que marca a volta do maestro depois de uma pausa de três anos. Chegando aos 80 anos de idade em 2012, Williams surpreende com um trabalho vibrante, de energia juvenil. Também foi indicado por Cavalo de Guerra, que está em várias outras listas de premiações e indicações. Deve ter seus votos divididos, assim como aconteceu em 1972, 1984, 1987, 1989, 2001 e 2005, quando merecia o prêmio, mas foi  prejudicado por ter mais de uma indicação. Vale lembrar que John Williams é um dos poucos compositores que receberam mais de uma indicação numa mesma solenidade do Oscar e só Walt Disney o ultrapassa em número de indicações ao prêmio da Academia, 59 ao todo.

Melhor música escrita para um filme, canção original:

Os Muppets (2011): Bret McKenzie("Man or Muppet")
Rio (2011): Sergio Mendes, Carlinhos Brown, Siedah Garrett("Real in Rio")


Únicos nomes brasileiros no Oscar, Sergio Mendes e Carlinhos Brown  podem levar a estatueta, até porque, tecnicamente, Rio é vibrante e contagia dentro do contexto do filme, o que não se pode dizer da canção de Os Muppets. Aqui o único cuidado necessário é com o bairrismo da Academia, mas Sergio Mendes tem uma sólida reputação na classe artística estadunidense, o que é um ponto absolutamente favorável.

Melhor mixagem de som:

Cavalo de Guerra (2011): Gary Rydstrom, Andy Nelson, Tom Johnson, Stuart Wilson


Aqui é difícil, já que todas estas produções têm acabamentos soberbos. A curiosidade fica por conta das duas indicações de Gary Rydstrom (nesta categoria e na de edição de efeitos sonoros), um dos mais premiados sonoplastas do cinema estadunidense, responsável pelo som dos primeiros longas-metragens da Pixar.

Melhores efeitos visuais:

Transformers: O Lado Oculto da Lua (2011): Scott Farrar, Scott Benza, Matthew E. Butler, John Frazier


Poucas vezes na história das premiações se viu um nível técnico tão alto quanto este. Várias produções marcantes (e por si mesmas merecedoras do prêmio) ficaram de fora, como Piratas do Caribe, Thor, Capitão América e Lanterna Verde, mas devemos dar certo crédito ao departamento de efeitos visuais da Academia, que selecionou o melhor dos melhores nesta categoria.

Pela tendência estabelecida na última década, o favorito é Planeta dos Macacos-A Origem, que teve seus efeitos produzidos pela neozelandeza Weta Digital, que já acumula 5 Oscars nos últimos dez anos. Joe Letteri, supervisor de efeitos visuais, e ex-supervisor na Industrial Light and Magic, de George Lucas, vem se firmando como o maior nome da área desde Dennis Muren, já acumulando nos últimos 8 anos 4 estatuetas.Os outros, por excelentes que sejam, precisam superar esta inclinação da Academia.

Transformers é excepcional em termos de efeitos visuais, mas além dos concorrentes, tem que enfrentar o boicote sistemático estabelecido desde 1995 pela Academia contra a Industrial Light and Magic, que entre 1995 e 2011 só ganhou em 2006 com Piratas do Caribe-O Baú da Morte.

Harry Potter pode ser beneficiado por ser o último episódio e ter a boa vontade dos membros votantes. Os outros dois filmes também têm muitos méritos mas menor apelo. Mas, como se sabe, surpresas acontecem.

Melhor curta-metragem, ação ao vivo:

Tuba Atlantic (2010): Hallvar Witzø


Esta é lista completa. Os ganhadores serão conhecidos em 26 de fevereiro de 2012. Mas, tudo indica, em 2013 pouquíssima gente se lembrará da premiação de 2012. Como eram bons os velhos tempos...


JHC

Fonte: The Internet Movie Database (htttp://www.us.imdb.com)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

GUSTAV MAHLER (1860-1911) - Parte VI

Depois das bem-sucedidas Quinta e Sexta Sinfonias, Gustav Mahler empreendeu uma nova sinfonia, a Sétima. O esquema estrutural é semelhante ao da Quinta: cinco movimentos, com um scherzo sombrio ao centro, circundado por dois movimentos lentos, intitulados Nachtmusik, ou seja, serenata em alemão, de grande delicadeza temática e instrumental, usando até mesmo piano e bandolins.

Esta obra é uma das mais complexas quanto à abordagem ideal. Aqui, são exigidas ao máximo as virtudes dos regentes e suas orquestras. O músicos devem saber ouvir uns aos outros e o maestro tem de exibir uma extraordinária imaginação musical, devido aos amplos movimentos e os muitos contrastes dentro de cada um deles, que tendem a tornar-se enfadonhos se não forem bem trabalhados.

É a menos executada e gravada das sinfonias de Mahler. Muitos dos primeiros defensores do opus mahleriano negligenciaram esta sinfonia, como Bruno Walter e Otto Klemperer. Klemperer demonstrava uma certa frustração pelo tom apoteótico do finale e do clima forçosamente otimista do primeiro movimento. Theodor Adorno, filósofo especializado em Mahler, chegou a dizer que a Sétima era a negação de tudo o compositor expressara em suas sinfonias precedentes.

Mas, com mente e coração abertos, uma boa gravação nos conquista para este universo sonoro que Mahler propôs. De certo, há um tanto de artificialismo nos temas otimistas e extrovertidos, mas que não atrapalha uma apreciação honesta da sinfonia, que nos traz um dos melhores trabalhos de orquestração de toda a literatura musical, mostrando a sensibilidade do compositor ao tratar seus temas e ao elaborar a instrumentação. Muitos trechos chegam a ser etéreos, poéticos mesmo.

Como destacado, é importante a interação entre maestro e orquestra. Alguns registros fonográficos cumprem seus objetivos com louvor, embora nossa seleção aqui não seja tão ampla quanto às anteriores.
Primeiramente, e acima de todos, Leonard Bernstein e a Filarmônica de Nova York, que legaram duas gravações (Sony e Deutsche Grammophon), que tem abordagens similares: grande intensidade e concentração, nos convencendo do grande valor que esta obra possui. A primeira está disponível em apenas um CD, enquanto o segundo álbum cobre dois discos e é  um tanto caro, por sinal, mas compensa. As outras gravações são medidas por estas duas.

Claudio Abbado, regendo a Sinfônica de Chicago (DG), tem brilho e virtuosismo, sem perder de vista o drama interno da sinfonia. Grande gravação.

Michael Tilson-Thomas, discípulo de Bernstein, atinge os mais altos níveis juntamente com a Sinfônica de Londres, pela BMG. Sua versão se aproxima daquela de Bernstein e é altamente recomendada. De fato, minha versão preferida, pelos grandes contrastes e pela performance da orquestra, explêndida. É um álbum duplo, mas a preço de um CD, tornando-o bastante acessível, em termos financeiros.

Outras gravações de destaque e dignas de respeitos são as de Giuseppe Sinopoli, com a Philharmonia Orchestra, e Pierre Boulez, com a Orquestra de Cleveland, ambas gravações pela DG. Têm grandes momentos de verdadeira inspiração, como os compassos iniciais regidos por Sinopoli, ou o Finale, na versão de Boulez.

Pessoalmente, meu primeiro contato foi com a versão de Abbado. Não sentia muito entusiasmo, achando que a música realmente era a mais fraca das que Mahler compôs. Quando ouvi a versão de Tilson-Thomas despertei para esta sinfonia e, hoje, ela é uma de minhas favoritas dentre as sinfonias de Mahler. Ele me convenceu de que se trata de uma das maiores sinfonias já escritas. Depois pude reavaliar o disco de Claudio Abbado e hoje, também sinto um grande prazer ao ouvi-lo e tenho um grande respeito pelo trabalho do regente.

Como citado em post anterior, a audição freqüente e repetida que o CD proporciona beneficia bastante a obra, permitindo a descoberta de novos e fascinantes detalhes cada vez que a ouvimos, tornando o nosso julgamento sobre a Sétima Sinfonia cada vez mais favorável à mesma. Uma grande obra-prima.

continua...

JHC

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Guerra nas Estrelas em 3D - Episódio I

Desde os 12 anos de idade tenho Guerra nas Estrelas em alta conta. Numa segunda-feira à noite, 28 de dezembro de 1987, a TV Globo exibiu o filme que agora conhecemos como Star Wars: Episódio IV-Uma Nova Esperança. Aquilo marcou minha vida. Era como se todas as minhas brincadeiras de infância, baseadas em Buck Rogers e Battlestar Galactica, se concretizassem numa soberba aventura. Personagens marcantes como Luke Skywalker, Obi-Wan Kenobi, Princesa Leia, Han Solo, Darth Vader, lasers, naves espaciais em combates bem idealizados, inesquecível trilha sonora de John Williams, enfim, muitos horizontes culturais abertos.

Nos meses subseqüentes foram exibidos Episódio V-O Império Contra-Ataca (18 de janeiro de 1988, no Festival de Verão) e VI-O Retorno de Jedi, este na estréia de Tela Quente (na época realmente quente, só com grandes filmes), em 07 de março de 1988. Fiquei virtualmente mergulhado na saga que se passa em uma galáxia muito, muito distante.

Estes filmes, junto com Superman e Superman II, tornaram-se meus preferidos, pelo argumento interessante, de conotações mitológicas, efeitos especiais incríveis, tornando o impossível visível diante de nossos olhos, e as composições de John Williams despertaram em mim gosto pela música instrumental e sinfônica.

Muitos anos e reprises depois, o desejo de retornar àquele universo cresceu ao limite do suportável,  para mim e muitos outros, com boatos sempre crescentes de que a série seria retomada tão logo os custos e a tecnologia necessária se tornassem acessíveis.

Em 1997 a trilogia foi relançada nos cinemas com algumas cenas refeitas e outras acrescentadas usando os últimos avanços em animação digital. Isso foi o aperitivo para o lançamento do Episódio I, que traria o passado de Ben Kenobi e a queda de seu discípulo Anakin Skywalker para o lado sombrio da Força, tornando-se o temível Darth Vader, bem como o extermínio dos cavaleiros Jedi.

De certa forma, todos nós já sabíamos o conteúdo da narrativa. Ao final da história, teríamos drama, tragédia e o triunfo do Mal, incorporado nos Sith e no surgimento do Império Galáctico, pondo fim à democracia da República Galáctica.

Diante de tanta expectativa por parte dos fãs e do público em geral Star Wars (agora com o título em inglês mesmo, para universalizar a marca) Episódio I - A Ameaça Fantasma chegou aos cinemas em 1999 (24 de junho no Brasil). E o entusiasmo começou a dar lugar a críticas e uma grande dose de decepção. É certo que seria impossível tamanha antecipação ser compensada pelo filme em si mesmo, mas o que vimos é que o frescor, a magia e aventura, bem como sua mitologia foram esvaziados.

A história começa com um bloqueio comercial contra o planeta Naboo, supostamente em protesto contra a cobrança de impostos sobre as rotas mercantes mais longíquas da galáxia. Neste planeta governa a rainha Amidala (este é um dos muitos nomes mal escolhidos por George Lucas, criador da saga, diretor e único roteirista, e que soam ridículos em português, assim como o chefe da segurança, capitão Panaka), que pede auxílio ao Congresso Galáctico para por fim ao bloqueio. Dois jedi são enviados como embaixadores para resolver a questão. No desenrolar da história fica claro um plano para assassinar a rainha e forçar a eleição do Senador Palpatine para o cargo de Supremo Chanceler. O título A Ameaça Fantasma trata da influência de um lorde sith, chamado Darth Sidious, que manobra nos bastidores para desestabilizar a república. Dentro deste contexto os personagens são levados ao planteta Tatooine, onde encontram um menino de nome Anakin Skywalker, extremamente habilidoso e bom piloto, que chama a atenção do mestre jedi Qui-Gon Jin, que o leva ao conselho jedi a fim de que receba treinamento adequado. Enquanto isso, os personagens principais voltam para Naboo, onde travarão uma batalha decisiva contra a naves e droids da Federação de Comércio.

Lucas exagerou na tentativa de infantilizar a história (como em O Retorno de Jedi). A presença de um Anakin ainda criança era desnecessária, haja visto tantos detalhes já revelados nos Episódios IV, V e VI. A performance de Jake Lloyd foi muito criticada, mas a responsabilidade maior cai sobre o diretor, que não é especialmente talentoso para extrair grandes interpretações de seus atores e, ainda por cima, o roteiro é cheio de diálogos tolos e incompreensíveis. A seqüência de corrida no deserto de Tatooine é um primor de concepção e realização, mas não acrescenta nada à história. A explicação para o fenômeno da Força é ridículo bem como alguns personagens mal-criados e mal usados, como Jar Jar Binks, artificialmente cômico e progressivamente abandonado nos filmes seguintes, o mestre jedi Qui Gon Jin, que não é mencionado nos filmes originais, num desperdício do talento do grande ator Liam Neeson, e o vilão Darth Maul, discípulo de Darth Sidious, que mal fala e é logo eliminado.

Mencionamos o personagem Anakin Skywalker. Se Hayden Christensen (Anakin nos episódios seguintes) tivesse assumido o papel, já pós-adolescente e a história adiantasse mais o que acontece, por exemplo, no Episódio II, o impacto teria sido bem maior.

Tudo isso não impediu o grande sucesso de público que o filme alcançou, faturando mais de 920 milhões de dólares nas bilheterias mundiais, tornando-se, na época, a segunda maior bilheteria da história, atrás apenas de Titanic.

Tecnicamente, o filme deu grandes saltos, no espetacular uso dos efeitos especiais, combinando todas as técnicas existentes, enriquecendo a ambientação espacial e libertando a história de quaisquer limitações narrativas. Nada menos que três equipes de efeitos visuais, miniaturas e animação da Industrial Light and Magic foram utilizadas. A trilha sonora de John Williams é épica, com pleno uso da Orquestra Sinfônica de Londres, combinando perfeitamente com a espetacular meia hora final, onde o filme realmente faz lembrar os melhores momentos da trilogia original, especialmente no duelo de sabres-de-luz, impecavelmente coreografado.

Mas o sabor geral é de um certo desapontamento. A arrogância de George Lucas, sem dirigir um filme desde que fez o Episódio IV, que em nenhum momento se esforça realmente em atender a expectativa por ele próprio criada, tornou-se o principal defeito do mesmo.

No ano seguinte, na cerimônia do Oscar, tudo isso trabalhou contra a premiação do filme nas categorias em que de fato merecia: efeitos visuais, mixagem de som e edição de efeitos sonoros. Perdeu nestas três categorias para Matrix, que com muito menos recursos, esbanjou criatividade para criar cenas realmente impressionantes e vibrantes.

Agora, seguindo a prática de Lucas, os filmes serão relançados com tecnologia 3D. Será uma boa oportunidade para serem reavaliados.

No quesito efeitos visuais, vale um adendo: entre 1977 e 1994, a empresa de George Lucas, Industrial Light and Magic, dominou a produção e o avanço tecnológico na área (status que, de certa forma, ainda mantém até hoje), recebendo o Oscar da categoria em 1977(Guerra nas Estrelas), 1980 (O Império Contra-Ataca), 1981 (Os Caçadores da Arca Perdida), 1982 (E.T. O extraterrestre), 1983 (O Retorno de Jedi), 1984 (Indiana Jones e o Templo da Perdição), 1985 (Cocoon), 1987 (Viagem Insólita), 1988(Uma Cilada para Roger Rabbit), 1989 (O Segredo do Abismo), 1991 (Exterminador do Futuro 2), 1992 (A Morte Lhe Cai Bem), 1993 (Jurassic Park) e 1994 (Forrest Gump).

A partir de 1995 a Academia de Hollywood mudou os critérios e a predominância da ILM extinguiu-se, apesar de, na maioria dos anos, ao menos uma produção de lá ser indicada. Eu entendo isso como um boicote sistemático pois nada justifica que filmes como Twister, Star Wars Episódio I (apesar dos méritos da equipe de Matrix), Mar em Fúria, Star Wars Episódio II, Star Wars Episódio III (nem ao menos indicado), Transformers não tenham sido agraciados com o Oscar de Efeitos Visuais. Piratas do Caribe: O Baú da Morte é o único título com efeitos visuais da ILM pós-Forrest Gump a ser premiado com o Oscar da Academia. 

Muito se fala da Weta Digital, sediada na Nova Zelândia, como a líder nos dias atuais, mas isso se deve principalmente aos orçamentos exorbitantes das produções em que participa: 500 milhões de dólares ou mais na série O Senhor dos Anéis, 250 milhões em King Kong, 400 milhões para Avatar. Em muitos casos outras companhias são chamadas para cooperar para que os prazos sejam cumpridos. 

Enquanto isso os episódios I, II e III de Star Wars tiveram seus efeitos visuais e animações feitas em um único estúdio, limitado pelo orçamento relativamente baixo de cada um dos filmes, em torno de 110 milhões de dólares, o que mostra a versatilidade das equipes de técnicos da ILM.

Que venham os outros filmes em 3D.

Ficha técnica:
STAR WARS: EPISODE I - THE PHANTOM MENACE, EUA, 1999.
Direção: George Lucas
Roteiro e produção executiva: George Lucas
Produção: Rick McCallum
Elenco: Liam Neeson, Ewan McGregor, Natalie Portman, Jake Lloyd, Pernilla August, Frank Oz, Ian McDiamird, Terence Stamp, Anthony Daniels, Kenny Baker, Ahmed Best, Samuel L. Jackson.
Música: John Williams - Fotografia: David Tattersall - Edição: Paul Martin Smith, Ben Burtt - Desenho de produção: Gavin Bocquet - Figurinos: Trisha Biggar - Diretor de animação: Rob Coleman - Supervisão de Efeitos Visuais: John Knoll, Dennis Muren, Scott Squires.

JHC

quarta-feira, 15 de junho de 2011

GUSTAV MAHLER (1860-1911) - Parte V

Depois de compor sua Quinta Sinfonia, Mahler entrou no período que é identificado como Rückert, no qual compôs um ciclo de lieder assim chamado, de tons pessimistas, fúnebres, ainda que belíssimos.
Sua Sexta Sinfonia, chamada “Trágica”, é densa, classicamente estruturada em quatro movimentos, de temperamento similar aos Rückert Lieder.
O primeiro movimento contrasta uma marcha implacável com um tema terno, que Mahler identificava como o “tema de Alma”, em referência à sua esposa.
Tradicionalmente o segundo movimento traz um scherzo, lúgubre, que amplia a sensação de catástrofe iminente.
O terceiro é um andante, de grande beleza, que faz um grande contraponto ao imenso finale, que originalmente trazia em sua coda três batidas de tímpanos, interpretadas como golpes do destino. Curiosamente, logo depois da estréia, o compositor foi atingido por tragédias pessoais: a morte da filha mais velha, a demissão da Ópera Imperial e o diagnóstico de sua grave doença cardíaca.
Considera-se a Sexta como a principal composição de Mahler, sua sinfonia mais bem acabada e intelectualmente desafiadora, clássica quanto à forma, profética quanto ao conteúdo. Para o compositor austríaco e discípulo de Mahler, Alban Berg, era a única Sexta, apesar da Pastoral, de Beethoven. Não muitos anos depois a Europa seria devastada pela 1ª Guerra Mundial e o Império Austro-Húngaro extinto.
John Barbirolli fez um registro que é tido como clássico, à frente da Orquestra Filarmônica de Londres(EMI). O maestro adota tempos em geral amplos, alcançando dimensões não somente trágicas, mas devastadoramente catastróficas. Diferente do usual, o Andante vem em segundo lugar, colocando o scherzo em terceiro, prática que alguns, como Abbado, vêm difundindo recentemente, segundo se acredita ser a intenção original do compositor.
Leonard Bernstein deixou registros expressivos, com a Filarmônica de Nova York (Sony) e Filarmônica de Viena (DG), assim como Kubelik, Abbado, Mariss Jansons, dentre outros.
Tecnicamente a versão de Karajan (DG) é insuperável, equilibrando excelência sonora com uma concepção estrutural memorável, talvez o melhor registro existente, especialmente no Andante, onde o regente evita o melodrama sem prejuízo do lirismo e da sutileza instrumental.
Não há espaço aqui para a esperança ou alegria de viver que se fazem presentes em muitos trechos das sinfonias anteriores. Nenhum outro compositor pós-Mahler conseguiu expor de maneira tão contundente as ambigüidades do homem moderno, cujo distanciamento de Deus e suas tendências materialistas levou a tragédias tão gritantes como as duas guerras mundiais e vários outros conflitos mortais em várias partes do mundo.
Diz Michael Kennedy em sua biografia de Mahler que Bruckner chegava até Deus com facilidade, Richard Strauss nunca se preocupou em buscá-lo e Mahler prosseguiu buscando-o até o último momento de sua vida.
Essa busca terá reflexos nas obras seguintes, especialmente na Oitava Sinfonia, que, em tempo oportuno, abordaremos aqui.
JHC
continua...