terça-feira, 12 de junho de 2012

Gustav Mahler (1860-1911) Parte VIII


Ao longo do ano de 1906, Mahler sentiu-se cada vez mais exausto devido a seu trabalho na Ópera Imperial e outros compromissos como diretor de orquestra. Decidiu que, durante as férias de verão, não trabalharia em nenhum projeto. Apenas descansaria. No entanto, no primeiro dia de folga, ao longo de uma caminhada pelas colinas, teve uma inspiração irresistível, que logo se tornaria a base para o Veni, Creator Spiritus, primeiro movimento de sua Oitava Sinfonia, apelidada já na estréia de "Sinfonia dos Mil", dado o elevado número de executantes, tanto orquestrais como nos vários coros utilizados.

Estas palavras fazem parte de um antigo hino latino, que descreve o "Paráclito",  ou seja, o Consolador mencionado por Jesus conforme registrado no Evangelho de João, capítulo 14. Em outras palavras, o Espírito Santo.

Como não sabia de memória a totalidade do texto, telegrafou a Viena para que lhe remetessem o texto completo. O compositor então estruturou o primeiro movimento adaptando a letra aos temas que havia desenvolvido. Abrindo mão de técnicas contrapontísticas consagradas e concluindo esta primeira parte com uma fuga extraordinária, que exige tudo o que a voz humana pode dar, Mahler teve diante de si um material ao qual qualificou como sua "missa".

Alguns estudiosos encontram um certo exagero na forma como esta sinfonia se apresenta, principalmente com um tema tão poderoso como o Veni da abertura, onde se tem a impressão de que aquele que está sendo invocado, já estava presente antes da música soar. Isso nos remete à Segunda Sinfonia, onde Mahler teve o cuidado de não ser apoteótico no primeiro movimento, deixando o clímax para os últimos compassos do finale.

Na segunda parte, Mahler utiliza textos extraídos de Fausto, Parte II, de Goethe, onde há uma alegoria do paraíso, segundo a crença popular católico-romana.

A première, em 1910, na cidade de Munique, Alemanha,  foi o maior êxito da vida de Mahler, que enfim recebeu o reconhecimento que lhe era devido.

Sua vida pessoal, em contraste, estava no fundo do abismo. Perdera sua filha mais velha, vítima de febre escarlate; teve um diagnóstico de infecção cardíaca por estreptococos, que lhe traria, enfim, a morte em 1911; já não era mais o poderoso diretor da Ópera de Viena; e, por causa de sua debilidade física provocada pela mencionada infecção, viu seu casamento, que nunca tinha sido um exemplo de estabilidade, ruir, com o relacionamento de Alma com o arquiteto Walter Gropius.

Todos estes episódios serão refletidos na Nona Sinfonia, que será tratada oportunamente.

Voltando à Oitava. Devido aos grandes desafios logísticos e, também, à relativa falta de profundidade musical da obra, durante muito tempo só foi executada em ocasiões especiais e gravações fonográficas eram forçosamente raras, situação que está em franca inversão.

Como é um híbrido de cantata sacra com ópera, bons regentes operísticos obtêm resultados positivos nesta sinfonia, como é o caso de Rafael Kubelik, Leonard Bernstein e Georg Solti. Destes, Solti (Decca) se destaca por sua eletrizante gravação com a Sinfônica de Chicago, realizada em Viena, no ano de 1971. Até hoje é a gravação de referência, a que podemos acrescentar a formidável performance dos solistas, todos de primeiríssimo time, incluindo Yvonne Minton, Arleen Auger e René Kollo, e dos coros da Ópera de Viena, dos Meninos Cantores de Viena e da Associação Coral de Viena (Wiener Singverein). Tem uma primeira parte eletrizante, culminando numa impossível fuga coral extasiante. A segunda parte tem ainda mais virtudes, onde a soberana regência de Solti cria uma formidável,  cena operística, com os solistas a plenos pulmões.

Bernstein (Sony, DG) tem dois registros disponíveis, ambos da mais alta competência, assim como Rafael Kubelik, à frente da Orquestra Sinfônica da Radiodifusão Bávara (DG).

Destacamos também a realização de Klaus Tennstedt com a Filarmônica de Londres (EMI), venerada pela crítica, não sem razão.

Outras gravações importantes são as de Claudio Abbado, Pierre Boulez, Giuseppe Sinopoli (todos editados pela Deutsche Grammophon) e Simon Rattle (EMI). Qualquer uma das versões aqui citadas oferece um belo espetáculo artístico que honra as intenções do compositor.

Lembramos, apenas, que esta não é uma obra musical para se ouvir rotineiramente, como as sinfonias precedentes e a seguinte, a Nona, que, à medida que ouvimos mais, têm suas belezas desvendadas. A Oitava, com a repetição exagerada, tende a se tornar cansativa e barulhenta.

Michael Kennedy, em sua biografia de Gustav Mahler (Oxford Press, 1973,1989,2000), destaca a superficialidade do argumento musical e sua personalidade de religiosidade manufaturada, em contraste com a sinceridade do finale da Segunda Sinfonia.

Contudo, isso não a desmerece como obra-prima, bem estabelecida como uma  das maiores obras sinfônico-corais de todos os tempos, ao lado da Missa Solemnis, de Beethoven, da Missa em Si menor, de Johann Sebastian Bach e da  Missa Nº 3, de Anton Bruckner.

continua...

JHC


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